quinta-feira, 23 de abril de 2009

Piano

Hoje estive naquele nosso sítio. Cheguei, senti um arrepio percorrer indecorosamente o meu corpo acima e atravessaram-me mil flashes do muito que ali passamos. Perscrutei mais uma vez o local e sentei-me confortavelmente onde tantas vezes te tive bem junto a mim, onde tantas vezes nos envolvemos, esquecendo tudo à nossa volta. Ali éramos nós e mais ninguém, ali éramos felizes por breves horas. Hoje vou precisar de sentir uma nova melodia que me acorde deste estado de lassidão. Senti a maciez do que me amparava ali confortavelmente, como se voltasse a senti-la contigo. Relembrei momentos e mais momentos que ali passamos, momentos esses que foram tão bons. Recordei também o pior momento que já passámos juntos, aquele momento pior que aterrador, seguramente um dos piores de toda a minha vida, e com o qual posteriormente nos rimos. Fechei os olhos e senti tudo o que foi bom de novo, vi-me ali sentada à tua espera, vi a tua chegada, experimentei o teu toque mais uma vez, contemplei o teu sorriso, senti os teus lábios, escutei as nossas conversas, tudo de novo, tudo a avivar-se na minha alma. Senti todas as notas soltas que compuseram a nossa sinfonia a dois. Abri os olhos para o que me rodeava, era o nada apenas, a asfixiar-me, a libertar-me de impurezas contidas sorrateiramente na minha alma. Fiquei a descortinar que o passado é uma casa fechada, onde só ficam as recordações e de onde só sai a saudade, a nostalgia e a tristeza. Sim, quando abri os olhos não estavas lá, mas foi como se tivesses acabado de sair dali, afinal tinha acabado de te ter junto a mim, ainda que apenas na minha cabeça. Senti uma lágrima afigurar-se furtivamente no canto do olho, mas esforcei-me por não a verter, não mereces que eu derrame sequer uma única gota salgada. Quis-me odiar por ter deixado que tudo chegasse a este ponto, por ter deixado que ver-te ali comigo fosse agora impossível. Hoje quero tocar piano com a fúria de quem só nele encontra a redenção da alma, e pulsar de gáudio por reproduzir uma melodia delicadamente, sem te afigurares nos meus olhos que contemplarão apenas as teclas e o vazio que se encontra à minha volta. Este lugar já não tem sentido sem ti, agora encontro-me aqui como que perdida, já não te distingo em nenhum lugar da minha vida. Hoje aquele lugar teve para mim tanto significado, não me sinto capaz de lá voltar sem ti, e por isso tenho a certeza de que não lá voltarei. Enquanto regresso já levo a melodia entoada na minha cabeça, já a senti percorrer os meus canais auditivos e as pontas dos meus dedos, já meditei nela. Quando chegar ao meu piano de cauda, serei só eu e ele, nada mais. Seremos preto no branco, branco no preto, tecla a tecla, e sentiremos juntos, vibraremos juntos, fruto das notas musicais que irão envolver o ar. Serei só eu e ele, colmatando tudo, esquecendo tudo o que existe para lá destas teclas vibrantes. Hoje preciso mais do meu piano do que de ti, e é bom sentir isso.

2 comentários:

Joana M. disse...

Apaixonante - o toque de música, em cada palavra tua, encanta.

Margarida C' disse...

Adorei, sente-se cada nota, cada melodia, e acima de tudo a dor e o vazio que sentes. Gostei muito. Obrigada pelo comentário, e quanto a isso, às vezes mais vale dizer as palavras que ficam presas na garganta do que deixar ir as pessoas de que gostamos sem tentar.

beijinhos*

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