domingo, 19 de abril de 2009

Desabafo

Ver-te assim deitada nessa cama decerto desconfortável, sem conseguires mover o que quer que seja. Lutando segundo a segundo por te manteres viva, por não estragar mais do que já te estragaram. Ver-te a modificar por fora, avolumar graças a esse maldito coma que te induziram. Estamos aqui e não sabemos se nos ouves, se nos pressentes, mas queremos acreditar que sim. Queremos acreditar que sentes a nossa esperança, a nossa convicção de que vais recuperar rapidamente, de que estarás entre nós depressa a sorrir como sempre te vimos. Quando não estamos à espera de que as coisas aconteçam é sempre mais difícil aceitá-las. Uma fracção de segundos chegou para te atirar para esta maldita cama, onde agora te vemos, restritivamente. Um simples ou complexo choque, o medo, o pânico a correr nas tuas veias misturando-se com o sangue que corria freneticamente, a pancada, tudo desfeito à tua volta, o som das sirenes girando velozmente na sua corrida contra o tempo. E tu ali imóvel, assistindo a tudo confusamente, sem perceber o que tinha acontecido. Todos encurralados, tu a pior, a que sofreu mais com o embate. Agora vejo-me aqui a abraçar a tua filha, contigo aí sem saber se nos estás a sentir aqui a torcer por ti. Ela chora no meu ombro, ela sente tanto a tua falta e vai ter de ir para longe e deixar-te aqui. E eu choro com ela, é demasiado duro ver-te assim, e sentir o mal-estar dela, e pensar que poderia ser eu no lugar dela, e saber que nunca terás a mesma vida que tinhas. Ela agarra-se a mim com força e eu procuro todas as minhas forças para lhe dar o apoio que sei que ela tanto necessita. E tu continuas aí impávida e serena, como se nada tivesse acontecido, não fossem todas as mazelas que conseguimos identificar em ti, apesar do lençol que te encobre. Vejo-te assim dependente de máquinas para viveres, alimentada por tubos de plástico, toda sedada, com os arranhões misturando-se com os furinhos das agulhas. É duro, é muito duro, mas necessito descrever este desassossego em que fiquei depois de te ver, depois de agarrar a tua filha agora frágil nos meus braços, depois de ver todos eles chorando ou tentando não o fazer, enquanto aguardam as notícias que os homens de branco trazem uma única vez por dia. Esta sala de espera tornou-se para os teus filhos e marido a segunda casa. E sei que a qualquer hora que apareça para te ver com os meus pais, os encontrarei sempre lá, bem perto de ti, aguardando novas boas notícias. Dói para mim que sempre gostei de ti e ainda mais da tua filha, e dói ainda mais para os meus pais para quem és como irmã. O vosso grupo está desfeito, os amigos procuram notícias a toda a hora, o telemóvel toca ininterruptamente. A vida às vezes é tão injusta, nunca ias com eles, insististe três vezes para não ires, e logo no dia em que vais, tens o raio do acidente. É como que as coisas estejam predestinadas e não há como lutar contra isso. Esta noite sonhei contigo, estavas a vir cá a casa como tantas vezes fizeste, já curada, sorrias como sempre e todos estávamos felizes por estarmos todos juntos como tantas vezes acontece. Foi só um sonho, mas eu sei que em breve vai ser realidade. Vais ficar bem, nós sabemos que sim.

Estamos todos contigo, Amélia :$

Precisava deste grande desabafo . Desculpem .

3 comentários:

Wilson disse...

Embora não conheça a pessoa em questão...

Eu também estou com ela :)

[Porque fica aqui mal estarmos a falar de mim e do Alvim, vou continuar a comentar no post anterior]

U disse...

Força com isso, eu sei que é difícil, já passei por uma experiência do género.
E desabafa sempre, porque escrever alivia muito :) *

C disse...

Há que ter força e esperança : )
Espero que o desabafo te tenha feito bem.
beijinho*

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